Ontem, o dono de um quiosque da cidade respondeu-me que o “Sol” se tinha esgotado logo na primeira meia hora da manhã, todos comprados por clientes que nunca antes tinham levado um único exemplar do semanário (nem sequer pelo DVD, à “borla” por 3 euros). Não procurei mais porque, àquela hora, com certeza que já tinham sido todos limpos das bancas. Apesar disso, não precisei de ir à Marinha Grande buscar fotocópias para ler o esquema do “polvo”. Chegou-me por e-mail a custo zero, e não acrescentou mais nada à história que o jornal divulgou a semana passada.
Este caso, contado em fascículos semanais, dá à história uma entusiasta aura de policial político. E a receita não podia ser mais galvanizante:
- É “baseado em factos reais”, mas não necessariamente legais (e aí é que está o problema), que envolve o primeiro-ministro e cúpulas do Estado;
- O esquema revelado é de tal maneira envolvente e macroestruturante que só pode ser de um maquiavelismo surreal ou de uma boçalidade inacreditável e sem limites;
- Os oportunistas precisam de cabides para pendurar o PM, como forma de exibirem o seu poder – tal como já fizeram com outros;
- Literatura desta, prolifera como uma mancha de óleo em épocas de desânimo generalizado, em que o povo anda descontente e precisa de circo, de qualquer forma, e a qualquer preço, especialmente se os três pontos anteriores estiverem condensados.
A ironia termina quando me apercebo que um cidadão – e lá por ser o primeiro-ministro, é menos cidadão por isso? -, a partir de agora, não sabe se há uma terceira linha à escuta quando atende o telefone, desconhece se lhe estão a varrer o ecrã do computador quando abre uma página da net, e tem toda a legitimidade para questionar se as paredes têm ou não ouvidos. Dir-me-ão: o escrutínio constante dos poderes é um dos direitos da Democracia. Correctíssimo. Mas se o regime democrático perdoa os métodos usados pela ditadura a ponto de os recuperar, e se o cidadão José Sócrates (ou outro qualquer que lhe venha a ocupar o lugar) é logo o primeiro a estar sujeito a abdicar de um requisito (hoje, reconhecidamente, um direito) proibido há 36 anos – a privacidade -, este país só irá ter o que merece (e está a pedir): a suspensão da Democracia colectiva por uns tempos, apenas para exercer um pouco de pedagogia. Talvez o povo perdesse o gosto por estas novelas.